Sinopse

A narrativa, uma história de amor que acaba, com mágoa e desilusão, passa-se num mesmo local, unicamente com a cantora em cena, nua, ou quase nua. Naquele espaço, cinzento e vazio, vão sendo introduzidos objetos (a bola demolidora, o maço, o martelo…), que são usados para destruir o cenário, ou como fetichização de prazer sexual.
O videoclipe atinge o seu auge numa imagem, em que Miley parece estar a ver-se ao espelho e o seu rosto apresenta uma expressão de vazio.

Temáticas

1. As contradições do amor e a forma como são expressos esses sentimentos;
2. A representação social da mulher que sofre a dor da perda, mas sente culpa por a relação ter acabado;
3. A ligação que se estabelece entre sexo, violência e destruição;
4. O poder exercido sobre o público, transmitido pela ligação entre a mensagem da letra, da música e da imagem.

Material de Apoio

Miley Cyrus – VídeoClipe de “Wrecking Ball” (2013)

Miley Cyrus foi a estrela da série juvenil “Hannah Montana”, do Disney Channel, que estreou a 24 de março de 2006 e acabou a 16 de janeiro de 2011. Nestes cinco anos, Miley Cyrus tornou-se na única pessoa, até hoje, a ter quatro contratos assinados em simultâneo com a Disney, através da exploração das várias facetas ligadas à sua imagem: como atriz e como cantora e ainda na exploração de merchandising.

A série televisiva tinha um propósito educativo: unir jovens, amigos e famílias, utilizando a música.
Miley havia nascido no berço da fama, numa família de artistas. Seu pai é um reconhecido cantor e compositor de música country, Billy Ray Cyrus, e também ator, desempenhando, inclusivamente, o papel de pai da própria Miley, em “Hannah Montana”.

Todo o seu percurso foi cuidadosamente gerido, enquanto estrela da Disney, para que fosse considerada um modelo positivo para os/as jovens.
Entretanto, Miley chegou à fase em que deixa de ser criança. É então que se dá uma reviravolta na forma de se expressar artisticamente e na sua própria imagem. Uma série de circunstâncias, impostas pelo “mercado”, obrigam-na a mudar de visual e estilo:
“Miley estava numa fase em que os interesses colidiam sobre quem ela era, sobre quem ela queria vir a ser e o que as audiências e intervenientes competitivos queriam que ela fosse” (Waymer, VanSlette, & Cherry, 2015: 6)
“No entanto, Miley Cyrus (como marca) admitiu que tecnicamente já era adulta (18 anos de idade) e, se queria garantir o sucesso a longo prazo da sua carreira, uma imagem diferente teria de ser trabalhada” (Waymer, VanSlette, & Cherry, 2015: 6).

Vídeo completo

O videoclipe fala-nos de uma relação a dois, na qual a mulher luta pelo amor com determinação. Mas, também se deixa facilmente enfeitiçar, chegando a valorizar excessivamente quem a magoa ou ignora, entendendo esse feitiço como manifestação de amor.
É possível perceber que ela entende o amor como um sentimento profundo. Por isso, sentindo, que a relação que está a viver não a faz feliz, ganha forças e desliga-se, apesar do seu sentimento pelo companheiro se manter. Embora libertado da relação, ainda duvida da sua decisão. Talvez se tivesse sido mais passiva, pudesse manter aquele amor.
Do ponto de vista musical, podemos considerar esta canção como uma balada pop, que apresenta elementos comuns a grandes êxitos dentro do género, habilmente trabalhados por brilhantes compositores [1], peritos na produção de grandes hits  consagrados neste género musical. Por exemplo, a estrofe começa com um acompanhamento lento e suave que se vai adensando para um crescendo, que culmina num fortíssimo, no refrão que lhe segue. Já aqui, as paredes vão caindo e Miley vai batendo em objetos diversos ao ritmo da música. A entrada repentina e simultânea do bombo, caixa da bateria e prato de choques, no início do refrão, atua como elemento “demolidor”, provocando a impressão sonora de uma bola de demolição a embater contra um prédio, o que está perfeitamente de acordo com o título e a letra.
De facto, o trabalho de equipa entre estes compositores e o realizador do vídeo é de importância vital para o mesmo. A relação entre música e imagem é estreita e sempre presente na duração completa do videoclipe.

Cut 1

 

Nas partes mais suaves, vemos Miley a chorar contra o fundo branco, numa imagem simples, singela, pura, típica da música pop: amor / abandono; tristeza / raiva. Além disso, a forma como a artista profere as palavras “quebrar-me” e “destruir-me” no final do refrão, cantando-as quebradas: ““brea-ea-eak me” e “wre-e-eck me”, produz um fraseado vocal inteligente (e simples), concluindo o refrão de forma excecionalmente contagiante.

Cut 2

 

Um outro elemento é a técnica de uma boa prosódia: o cariz da música e das necessidades da voz para que esta encaixe na perfeição com a letra, a fim de proporcionar, ao ouvinte, a conexão o mais profunda possível com a música – o refrão e a bridge [2] de Wrecking Ball são um exemplo perfeito disso.
Depois do cariz poderoso do refrão, que acentua a mensagem de “bola demolidora”, na secção seguinte, a bridge entra em grande contraste, em piano, “amainando a tormenta” e assumindo um tom mais sincero, frágil e sombrio, a fim de acentuar a dor presente
na letra.
Para trás, ficaram a bateria e a guitarra elétrica, com distorção do refrão, dando lugar às cordas, piano e baixo acoplados, com uma interpretação vocal sincera, mais sombria, da cantora, que faz a ponte para a natureza evocativa da secção seguinte quando esta canta:

“Eu nunca quis começar uma guerra, eu só queria que me deixasses entrar…”.

Estes fortes contrastes dentro da canção promovem afinal uma experiência sonora mais envolvente para o ouvinte. Destacamos algumas características especificamente musicais na composição da canção. A alternância menor / maior, da tonalidade com a sua relativa menor: a estrofe é apresentada em ré menor e o refrão em fá maior, a suspensão do 4º grau para o 3º, no início do refrão. Muito da estrutura e do poder da canção devem-se a esta simples suspensão [3]. Ainda, o posicionamento dessa suspensão suaviza
a transição do modo menor (da estrofe) para o modo maior (do refrão).

A melodia do refrão ocorre sobre a progressão harmónica do ‘Canon de Pachelbel’ – compositor do barroco alemão que fez 17 variações sobre uma estrutura rígida de apenas 8 acordes, repetida múltiplas vezes. Durante séculos, a música de Pachelbel foi esquecida, até ser reeditada no final dos anos 60 do séc XX na Califórnia. Foi um êxito de tal ordem, que muitas outras gravações e edições da mesma obra se seguiram e a progressão harmónica, que lhe servia de base, foi utilizada e adaptada a muitas canções pop e rock dos anos 70, e utilizada até aos dias de hoje, como no refrão de Wreking Ball.

Cut 3

 

A imagem do videoclipe transmite uma mensagem de forte e intensa agressividade. Esta é revelada pela conjugação dos diversos elementos empregues, desde logo a cor predominantemente cinzenta e o uso de instrumentos contundentes em ambiente inerte,
composto somente por cimento, sem qualquer elemento vivo da natureza, para além da cantora.
A música é um instrumento ao serviço da imagem: é o canto quebrado das palavras que produz um efeito vocal contagiante, que facilmente fica no ouvido; é a boa prosódia, em que a música se encaixa na perfeição de cada palavra respeitando o significado da letra, proporcionando uma conexão com o espetador e ouvinte com a canção; é o cariz poderoso do refrão acentuando a mensagem de “bola demolidora”; é a dinâmica de piano, abrandando a violência, chegando a um tom mais sincero, frágil e sombrio, produzindo a consciencialização e a dor. Os fortes contrastes que a música proporciona, dando ênfase à imagem, promovem a envolvência do espetador/ouvinte.
Da análise conjunta da letra, música e imagem, retira-se imediatamente a ideia de que a imagem se sobrepõe às outras duas componentes, acrescentando sentidos novos à letra, que é mais harmoniosa, e que permitiria, só por si, a reflexão e interiorização.
Na imagem, sobressai a cantora a balançar-se nua, numa bola gigante (bola demolidora) e a destruir um cenário despido, branco. Entretanto vai-se apoderando de várias ferramentas e interagindo com estes instrumentos, acariciando-os e beijando-os,
em vários momentos de expressão erótica. São imagens de um forte erotismo, que revelam uma personagem poderosa, audaz e destemida, que contrasta com o lamento pelo fim violento da relação com alguém por quem continua apaixonada, manifestando mesmo sentimentos de culpa pelo fim da relação.
Mas as imagens mais marcantes do videoclipe são violentas, seja pelas expressões duras do canto, pela existência de instrumentos contundentes (o maço e a bola de ferro; a forma carinhosa com que ela possui o maço), pelas palavras mais marcantes (“arranhámos”, “acorrentámos”, “demolição”, “quebrar”, “destruir”, “arder”, “guerra”, “embater”).

Cut 4

 

Cut 5

Também é de notar que as imagens de destruição do muro são em tom de cinzento, o que pode gerar, de imediato, um sentimento negativo, de desolação e de “morte”. Mas a destruição faz sempre ricochete – a mulher, querendo destruir muros, vê a destruição
atingi-la, sem que o tenha provocado intencionalmente, o que lhe terá provocado um sentimento de revolta, como se pode verificar nas imagens finais. O companheirismo, a partilha de emoções, a entrega mútua não existe, nem vale a pena lutar por isso. O amor
é, assim, apresentado como um sentimento negativo.
Em conclusão, o videoclipe transmite a imagem de uma mulher sexualizada (por que razão aparece sempre em roupa interior, ou nua? Por que razão manipula ferramentas, usadas em alguns trabalhos, vulgarmente identificados com profissões mais masculinas, como objetos de suporte a momentos de erotismo?). Contudo, esta mulher, que parece forte, destemida (até destrói o cenário, montada numa bola demolidora), do ponto de vista sentimental, não se distingue da imagem da mulher que sofre por amor, que foi abandonada e se culpabiliza por isso.

[1] Seria no fundo interessante perceber que experiencias de ócio teve Miley Cyrus durante a sua adolescência. Esta canção deve ser analisada tendo em conta o contexto em que Miley cresceu. Wrecking Ball enquanto criação da própria provavelmente retratará uma forma de estar que nos pode levar a presumir que a cantora possa não ter tido muitas experiências de ócio.
[2] Maureen Anne McDonald (MoZella), Stephan Moccio, Sacha Skarbek, Lukasz Gottwald e Henry Russell Walter
[3] Bridge, do inglês: Ponte, é uma secção musical curta e diferente que une duas partes distintas de uma canção. Normalmente dura apenas 4 a 8 compassos e distingue-se claramente do resto da canção, tanto no modo (maior ou menor) como no estilo (zona mais aguda da voz, ou zona mais calma ou zona cheia de tensões)

Wrecking Ball

We clawed, we chained, our hearts in vain
We jumped, never asking why
We kissed, I fell under your spell
A love no one could deny

Don’t you ever say I just walked away
I will always want you
I can’t live a lie, running for my life
I will always want you

I came in like a wrecking ball
I never hit so hard in love
All I wanted was to break your walls
All you ever did was break me
Yeah, you wreck me

I put you high up in the sky
And now, you’re not coming down
It slowly turned, you let me burn
And now, we’re ashes on the ground

Don’t you ever say I just walked away
I will always want you
I can’t live a lie, running for my life
I will always want you

I came in like a wrecking ball
I never hit so hard in love
All I wanted was to break your walls
All you ever did was break me

I came in like a wrecking ball
Yeah, I just closed my eyes and swung
Left me crouching in a blaze and fall
All you ever did was break me
Yeah, you wreck me

I never meant to start a war
I just wanted you to let me in
And instead of using force
I guess I should’ve let you in
I never meant to start a war
I just wanted you to let me in
I guess I should’ve let you win

Don’t you ever say I just walked away
I will always want you

I came in like a wrecking ball
I never hit so hard in love
All I wanted was to break your walls
All you ever did was break me
I came in like a wrecking ball
Yeah, I just closed my eyes and swung
Left me crouching in a blaze and fall
All you ever did was break me
Yeah, you, you wreck me

Yeah, you, you wreck me

Compositores: Henry Russell Walter / Lukasz Gottwald / Maureen Anne Mcdonald / Sacha Skarbek / Stephan Moccio



Bola de demolição

Nós agarrámos, acorrentámos os nossos corações em vão
Nós saltámos, sem nunca perguntar porquê
Nós beijámo-nos, enfeitiçaste-me
Um amor que ninguém poderia negar

Nunca digas que eu simplesmente virei as costas
Eu vou sempre querer-te
Não posso viver uma mentira, a fugir pela minha vida
Eu vou sempre querer-te

Eu entrei como uma bola de demolição
Nunca bati com tanta força no amor
Eu só queria partir as tuas paredes
Tudo o que tu alguma vez fizeste foi partir-me
Pois tu, tu destruíste-me

Eu pus-te alto no céu
E agora não desces
Mudou lentamente, deixaste-me arder
E agora somos cinzas no chão

Nunca digas que eu simplesmente virei as costas
Eu vou sempre querer-te
Não posso viver uma mentira, a fugir pela minha vida
Eu vou sempre querer-te

Eu entrei como uma bola de demolição
Nunca bati com tanta força no amor
Eu só queria partir as tuas paredes
Tudo o que tu alguma vez fizeste foi partir-me

Eu entrei como uma bola de demolição
Eu apenas fechei meus olhos e balancei
Deixou-me a cair em meio a chamas
Tudo o que tu alguma vez fizeste foi partir-me
Pois tu, tu destruíste-me

Nunca tive a intenção de começar uma guerra
Só queria que me deixasses entrar
E invés de usar violência
Parece que te devia ter deixado entrar
Nunca tive a intenção de começar uma guerra
Só queria que me deixasses entrar
Parece que te devia ter deixado ganhar

Nunca digas que eu simplesmente virei as costas
Eu vou sempre querer-te

Eu entrei como uma bola de demolição
Nunca bati com tanta força no amor
Eu só queria partir as tuas paredes
Tudo o que tu alguma vez fizeste foi partir-me
Eu entrei como uma bola de demolição
Eu apenas fechei meus olhos e balancei
Deixou-me a cair em meio a chamas
Tudo o que tu alguma vez fizeste foi partir-me
Pois tu, tu destruíste-me

Pois tu, tu destruíste-me

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